Com o devido perdão pelo uso desta expressão, Yanagi era uma espécie de “confrontador por ofício”. Tradicionalmente, tais conceitos eram reprimidos e excluídos do âmbito da Beleza. A estratégia do seu texto visava ressuscitar a junção entre essas noções afastadas e a Beleza pelo uso do conceito de Ketsugō, a fim de fazê-las recuperarem o seu valor. Mais do que isso, o Kōgei foi um receptáculo para uni-las à noção de Beleza, ressuscitando-as tal qual Cristo. Justamente por serem as noções mais afastadas da Beleza, elas se conectam da forma mais poderosa com a própria Beleza. O texto de Yanagi tem o propósito de promover, a partir do encontro entre a Beleza e esses conceitos afastados, um trabalho cooperativo entre eles, graças ao movimento propiciado pelo Ketsugō. Foi um movimento de resistência em prol desses conceitos, ou seja, Yanagi procurou outorgar a ideologia da resistência a conceitos abstratos.
A importância dessa ideia de Yanagi está no fato de que nenhum desses conceitos almeja a Beleza por si mesmo. O Kōgei é formado por objetos ordinários, sem graça, baratos, entre outros, que não foram produzidos com o intuito de serem belos. Paradoxalmente, é por isso mesmo que se conectam ao belo. Esse é o Paradoxo da Beleza presente no Movimento Mingei2. A Beleza, como definição positivada e meta a ser alcançada, é inerentemente inatingível. O texto de Yanagi reitera de forma obsessiva um número incalculável de conceitos de Beleza – justamente porque trata-se de uma noção que jamais poderá ser definida nem capturada com precisão.
A propósito, o engajamento estratégico da retórica do Ketsugō no texto de Yanagi não se limita apenas a essa abordagem, uma vez que, posteriormente, ele passa também a utilizar o mesmo conceito com o significado de “coletivo” similar às Guildas, ou de “colaborar” e “cooperar”. Ou seja, como substantivo ou até mesmo como verbo. Nesse estágio, o Ketsugō deixa de ser mero mediador de conceitos: a palavra passa a se comportar como se, subitamente, começasse a adquirir consciência independente. A partir desse momento, Ketsugō desce de nível hierárquico e coloca-se no mesmo status dos diversos conceitos que definem o Mingei (utilidade, simplicidade, Mushin – que significa desprovido de interferências, como vimos – etc.). A associação de ideias nos remete à imagem de um general que estava na posição de comandante, de emitir ordens, e que, de repente, passa a ser visto na frente de combate. A palavra Ketsugō de Yanagi recebe um duplo sentido e funções distintas. A teoria do Kōgei está em um movimento oscilante entre esses dois âmbitos do conceito Ketsugō.
Dessa forma, o Movimento Mingei enfatiza o Ketsugō entre artesãos e o povo, isto é, a convergência e a união entre esses agentes. Todavia, no texto de Yanagi já havia surgido a ideia de Ketsugō como a junção dos conceitos personificados de Utilidade e Beleza. Antes de destacar a convergência dos artesãos e do povo, o Movimento Mingei, primordialmente, enfatiza a convergência entre as personificações desses conceitos. O que se gera nesse contexto não ocorre no nível do povo, humano, mas sim no plano da coalizão e da coletivização de conceitos no âmbito das palavras. O movimento Mingei é um movimento textual.
Portanto, o Movimento Mingei, acima de tudo, existe como acontecimento retórico engendrado dentro dos textos de Sōetsu Yanagi. Com a intenção de movimentar, reunir, alinhar e coletivizar conceitos, invertendo, revertendo e subvertendo a posição relativa que tinham originariamente. Nele, os próprios conceitos se solidarizam democraticamente, constituindo, então, uma coletividade: uma Guilda de Conceitos. A Teoria Kōgei passa a ser tracionada por estruturas produtivas norteadas por essa noção de Guilda de Conceitos.
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1Guilda: nome dado a associações que na Idade Média congregavam indivíduos com interesses comuns (negociantes, artesãos e artistas) com o propósito de oferecer assistência e proteção aos seus membros. (N.T.)
2Mingei (民藝) é um termo que significa “arte popular”. (N.T.)