Uchiwa: a peça na qual brilha a habilidade do artesão japonês
O uchiwa é um leque não dobrável utilizado para criar corrente de ar. É dito que esse leque rígido já era utilizado no palácio imperial no período Nara (710 – 784) e é um objeto que faz parte do cotidiano contemporâneo do Japão. Além da função de fazer vento, a produção do uchiwa tradicional japonês também leva em consideração a beleza e a praticidade.
Conheça a história e o processo de produção do uchiwa:
O verão japonês e o uchiwa
Desde os tempos antigos, os japoneses desenvolveram várias maneiras de combater os verões rigorosos. O uchimizu é o ato de borrifar água na frente de casa ou no jardim, tendo o efeito de abaixar a temperatura do chão graças à evaporação da água. Um objeto muito utilizado para combater o calor é o fūrin, o qual permite refrescar-se “pelos ouvidos”. O fūrin é um pequeno sino que se pendura na janela e, originalmente, era utilizado como amuleto para espantar os maus espíritos. Hoje, o som do sino que balança com o vento é um símbolo do verão japonês. Um outro objeto presente no verão do país é o uchiwa - que possui uma parte fina, achatada e resistente e um cabo, pelo qual as pessoas seguram o leque e criam a corrente de ar. O uchiwa era um item indispensável no verão quente e úmido nos tempos em que não havia ar-condicionado.
Uchiwa marugame
Na cidade de Marugame, província de Kagawa, a técnica tradicional de manufatura do uchiwa marugame, a qual utiliza bambu, é preservada até hoje. Por ser fabricado com a mesma técnica e o mesmo processo de mais de 100 anos atrás, o uchiwa marugame foi classificado como artesanato tradicional japonês, um kogei, em 1997.
Dizem que o uchiwa marugame surgiu por volta do ano 1600. Na cidade de Kotohira, o ato de visitar o santuário Kotohiragū é chamado de konpira mairi e era uma atividade muito apreciada pela população. O shibu-uchiwa, que tinha a cor escarlate e o ideograma de dinheiro pintado no papel, era uma lembrança da visita ao santuário que fazia muito sucesso. Como o porto que recebia os visitantes do Kotohiragū era o Porto de Marugame, a cidade ficava cheia de viajantes, que aproveitavam para comprar uchiwa acessíveis. O shibu-uchiwa, que é tingido com o suco do caqui adstringente, é resistente e por isso era útil não só para se refrescar, mas também para abanar a chama na hora de cozinhar. Quem administrava Marugame na época era o domínio feudal Kyōgoku, que estimulou a produção de uchiwa como uma ocupação secundária dos samurais e transformou o local em uma das principais regiões produtoras desse leque do Japão.
Processo de produção do uchiwa marugame
Uma das características especiais do uchiwa marugame é que o cabo e a estrutura são feitos do mesmo pedaço de bambu. O processo é dividido basicamente em duas partes: a da confecção da estrutura e a da colagem do papel na superfície utilizada para abanar. Ao todo, são 47 passos na produção de apenas um uchiwa, executados em sua maioria à mão.
Estrutura do uchiwa
O bambu que foi deixado por três dias na água para ficar mais maleável é cortado ao longo das fibras em pedaços de tamanho previamente definido. Esse processo é chamado de kidori. Depois, a parte interna do bambu é retirada e o tamanho das tiras, ajustado.
O waki é o passo em que a estrutura do uchiwa toma forma. Com uma ferramenta específica, são feitos cortes rápidos de até 8 cm de comprimento a partir da ponta. Apesar de não fazer nenhuma marcação, o artesão é capaz de produzir todas as tiras com 0,5 cm de espessura. A ferramenta de corte para a confecção do uchiwa foi inventada por Jirō Wakitake, durante a era Taishō (1912-1926). E graças à sua difusão, a produção do uchiwa marugame pôde se desenvolver ainda mais.
Controle minucioso da força
O bambu que recebeu os devidos cortes é então dobrado para a direita e para a esquerda somente com a força da mão do artesão, curvando-se de acordo com as fibras do bambu. O processo é difícil e requer um controle minucioso da força.
Dependendo do tipo de uchiwa, executa-se o processo do kowari, em que a estrutura ainda é cortada em duas partes utilizando uma faca chamada nata. Esse é um trabalho delicado, executado somente por artesãos experientes. Por conta da estrutura mais fina, o uchiwa se torna mais maleável e é capaz de produzir um vento refrescante mesmo com movimentos leves.
Fazendo o contorno do uchiwa
Com uma ferramenta especial, abre-se um furo no cabo, pelo qual passará o kama. Em seguida, inicia-se a fase mais complexa da produção do uchiwa.
O kama é um pedaço de bambu que trespassa o furo no cabo e se enverga em formato de arco, ou seja, a parte que se transformará no contorno do uchiwa. O kama é produzido com uma outra pequena faca especial chamada kiridashi. Para facilitar o processo de raspagem do bambu, ele é deixado na água. Mas como ele absorve o líquido e aumenta de tamanho, é preciso calcular o quanto o bambu diminuirá quando seco e aplicar essa estimativa no tamanho do furo no cabo. O artesão adquire essa habilidade e sensibilidade, a partir da repetição do trabalho.
A parte do cabo também é cortada com a faca kiridashi e são feitos ajustes para que ele se torne mais fácil de segurar. Depois de passar o kama pelo furo, ele é costurado junto às tiras finas da estrutura do uchiwa. Por último, temos o processo do tsuke, em que as tiras são arrumadas para que a estrutura esteja simétrica e forme uma curvatura bem feita, terminando, assim, a parte da estrutura do uchiwa.
Colando o papel
O passo chamado de hari acontece em um suporte especial. Passa-se cola na frente e atrás das tiras de bambu e cola-se o papel na estrutura. Depois, o artesão passa uma escova por cima do papel para garantir que ele irá aderir bem ao bambu. Em seguida, utiliza-se uma foice chamada tatakigama. O tipo de tatakigama depende do formato do uchiwa. O artesão utiliza um martelo de madeira para bater na foice e cortar as partes desnecessárias. Para finalizar, uma tira de papel longa chamada herigami é colada no contorno do uchiwa e dois pedaços de papel são fixados nas extremidades do kama, para reforço.
Para produzir somente um uchiwa são necessários diversos processos meticulosos e o artesão não pode negligenciar nenhum deles.
Tipos de uchiwa pelo Japão
Além do uchiwa marugame, há outros tipos de uchiwa transmitidos por gerações em diversas regiões do Japão.
Kyō-uchiwa (Quioto)
O diferencial do kyō-uchiwa é que a estrutura é formada por tiras de bambu soltas posicionadas em uma base e coladas irradiando do ponto central inferior. Além disso, o cabo, feito separadamente, é posteriormente unido à estrutura. A Aiba, fundada em 1689, especializada em kyō-uchiwa, produz os leques até hoje. Na parte da frente do kyō-uchiwa, destacam-se os desenhos em recortes de papel e, só na parte de trás, cola-se um papel sobre toda a superfície, tornando a peça elegante também como um objeto decorativo.
Mizu-uchiwa (Gifu)
O kanpishi, um tipo de papel tradicional de Gifu, era utilizado no período Heian (784-1185) para escrever em letras japonesas kana. O diferencial do mizu-uchiwa, produzido com esse papel, é a resistência à água, a espessura mais fina e a transparência. A origem do nome (que significa, literalmente, “uchiwa de água”) está na aparência transparente do leque e no hábito antigo de molhar o uchiwa para se refrescar com o vapor.
Kuba-uchiwa (Okinawa)
O kuba-uchiwa é produzido com a folha de uma árvore da família das palmeiras, chamada kuba e encontrada na ilha Ishigaki. Localmente, o leque é chamado de “kubaouni”, sendo “ouni” referente a “leque”. O diferencial do kuba-uchiwa está em sua simplicidade: as folhas de kuba são colhidas, secas e moldadas em formato de leque. Na região das ilhas Yaeyama, ele também é utilizado como instrumento de dança.
Referências:
“Encyclopedia of Traditional Crafts of 47 Prefectures”, Maruzen Publishing Co.,Ltd.
“Encyclopedia Nipponica”, Shogakukan Inc.
Colaboração:
Associação das cooperativas de uchiwa da província de Kagawa
IEDA PAPER CRAFT, INC.
aiba co.,ltd.
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