Novas formas de apreciar o chá japonês
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O chá verde é popular no Japão há muito tempo e, hoje, continua evoluindo. Existem lugares que propõem novas formas de se apreciar o chá, que são diferentes da tradicional.
1. SAKURAI JAPANESE TEA EXPERIENCE
O bairro Omotesandō, em Tóquio, é onde a moda, arte e cultura se reúnem. É neste lugar exuberante que a casa de chá Sakurai Japanese Tea Experience fascina as pessoas, com um silêncio que traz a sensação de estar em outra dimensão, combinado a um agradável aroma da torra.
Seu interior faz lembrar uma casa de chá tradicional, trazendo ao mesmo tempo o clima de um bar, onde o clássico e o moderno se fundem. Uma das características da Sakurai Japanese Tea Experience é que ela oferece um espaço e apresentação extremamente refinados, sendo o chá o protagonista da experiência. A loja oferece estilos inovadores como: o Straight, ou chá puro e sem acréscimo de outra substância; o Blend, ou uma mistura de chás; e o Roast, o chá que passou por torrefação - não se limitando ao tradicional, mas principalmente no que se refere a Hōjicha (o chá japonês torrado), cuja pesquisa incessante das características regionais do local de produção e do grau de torrefação permite oferecer sempre um novo aroma e sabor.
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Assim como algumas gotas de limão conseguem mudar completamente o sabor de um coquetel, o sabor do chá também muda bastante conforme a temperatura da água, o tempo de infusão e, no caso do Hōjicha, o tempo da torrefação. Na Sakurai Japanese Tea Experience, a torrefação acontece após o cliente escolher uma das seis variedades de Hōjicha. Uma quantidade equivalente à porção individual é torrada cuidadosamente em um instrumento chamado hōroku. Mesmo no Japão, são poucas as lojas que se dedicam tanto à apreciação do Hōjicha, que é um chá relativamente barato.
Quem nos atendeu com gestos refinados e belos foi Fumiya Shiratori.
De acordo com Fumiya Shiratori, da Sakurai Japanese Tea Experience: “Dependendo da origem das folhas de chá, há aquelas que requerem uma torra mais profunda, e outras mais leves. Além disso, o grau da torrefação pode mudar por causa da sazonalidade. Poderia dizer que essa combinação é infinita. Estamos sempre em busca da melhor torrefação”, explica.
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Após a torra, o Hōjicha é servido um por um, na frente dos clientes. Geralmente, o Hōjicha é uma bebida mais acessível e consumida após as refeições.
A iniciativa da Sakurai Japanese Tea Experience, que eleva o sabor deste chá ao máximo e serve como algo a ser saboreado como um coquetel, é, sem dúvidas, uma nova e atual forma de apreciar o chá.
Além disso, a loja não se limita ao chá japonês tradicional como Gyokuro e Sencha, oferecendo chás originais com blend de flores, ervas e nozes sazonais e frutas secas. Os blends de chá, que são mais comuns em chá preto, eram quase inexistentes no universo do chá japonês. Hoje, como o interior encantador da loja que une o ocidente e o oriente, nascem aqui diariamente novos chás que combinam as mais diversas culturas.
2. Yamamotoyama Fujie-Sabō
A Yamamotoyama foi fundada em 1690, no início do período Edo (1603 a 1867), na região onde hoje é o bairro de Nihonbashi em Tóquio, sendo uma das mais tradicionais lojas de chá do Japão. No período Edo, o hábito de tomar o Sencha preparado com o uso de kyūsu (bule tradicional) se popularizou. É dito que quem iniciou as vendas do Sencha foi o Kahei Yamamoto, fundador da atual Yamamotoyama.
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Desde a sua fundação, a Yamamotoyama atua preservando a tradição do Sencha, mas ao mesmo tempo, dá continuidade à evolução da cultura do chá, trazendo novos ares. O símbolo disso é a Fujie-Sabō que abriu suas portas em 2018.
Aqui, os funcionários entusiastas, que possuem um imenso conhecimento sobre as folhas de chá, preparam cada uma das xícaras com delicadeza e dedicação, oferecendo um sabor profundo que apenas uma loja tão tradicional conseguiria.
O gyokuro, conhecido também como o ‘rei dos chás’, antes da colheita, tem sua plantação totalmente coberta com telas que bloqueiam a luz solar por um determinado tempo. Esse cultivo requer muita dedicação e esforço, mas traz um sabor umami acentuado e amargor reduzido. Por isso, é apreciado como o chá verde japonês de mais alta qualidade.
Normalmente, para o seu preparo utiliza-se 100ml de água quente para 7g de Gyokuro, mas na Fujie-Sabō, é preparado com cerca de 40ml, menos da metade da forma convencional, e com tempo de infusão 1,5 vezes maior. Como resultado, o chá é oferecido quando ele atinge o ápice do sabor umami. Esse preparo faz com que o chá tenha mínima concentração de catequina e cafeína, que são as origens do amargor, mas com muita teanina, que confere o umami.
Os chás preparados dessa forma têm sabor intenso que lembra uma sopa de frutos do mar cheia de umami, o que foge completamente do convencional.
“No passado, beber o Gyokuro dessa forma não era algo convencional”, comentou a Yukari Morimoto, que preparou um chá com habilidade primorosa. A Yamamotoyama estudou formas de extrair o melhor do chá e chegou a esse método.
Além dessas iniciativas, a Yamamotoyama está desafiando a forma antiga de beber o chá partindo de diversas perspectivas. Por exemplo, no caso do Matcha, as combinações com bolos, sorvetes e chocolates e outros alimentos estão se ampliando. A Fujie-Sabō também está desenvolvendo uma combinação entre as bebidas alcóolicas e o chá japonês.
O Tea Sparkling, que permite apreciar o chá como se fosse champanhe, é oferecido em dois tipos (fotos abaixo) de variedades: Hōjicha Ginger e Sencha (sem álcool). A loja também propõe várias outras combinações como Matcha e vodca, Sencha e gin, Hōjicha e rum e, Genmaicha e uísque. Além disso, existe uma loja conceito chamada Fujie Labo na capital Tóquio, dando continuidade à procura de novos e atraentes aspectos do chá.
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A Yamamotoyama prega que “a tradição é mudar continuamente”, ou seja, não é apenas transmitir o que é antigo da forma como ele é, mas assim como a invenção do Sencha em uma época na qual o consumo de chá se dava apenas na forma de Matcha, é absorver novas ideias e engenhosidades, respondendo às necessidades das eras. É assim que a Yamamotoyama, mesmo carregando uma história de mais de 300 anos, continua com o seu espírito desafiador para transmitir a cultura para as futuras gerações.
3. MAVO bloom
“Desde a descoberta do Sencha no período Edo até os dias de hoje, a base da forma de beber o chá japonês não mudou. A minha iniciativa é uma inovação do chá japonês, por assim dizer. Não se trata simplesmente de encontrar uma nova forma de apreciação, mas de maximizar o valor inerente do chá”, diz Tsutomu Nishimura - fundador do restaurante MAVO bloom.
MAVO bloom, restaurante localizado no bairro de Higashiyama, em Quioto, em uma avenida onde se concentram os mais tradicionais restaurantes, foi o pioneiro global e o primeiro a oferecer pratos da gastronomia francesa harmonizados com chá japonês, o tea pairing.
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Apreciar o chá japonês da mesma forma que o vinho em fine dining. Para tornar possível a harmonização do chá japonês com cada um dos pratos (de forma semelhante ao vinho), o MAVO bloom repensa os princípios básicos no preparo do chá para chegar ao método de extração a frio (cold brew) em um ambiente de baixa pressão.
Nas palavras de Nishimura:
“A extração acontece com a quebra das paredes celulares das folhas de chá, e existem duas principais formas de fazer isso: aplicar calor e tempo. Entretanto, há uma desvantagem, pois a variação da temperatura e do tempo de infusão causa instabilidade no sabor. Por isso, escolhi o método da descompressão. Ao extrair por cold brew em um ambiente de baixa pressão, é possível sentir o verdadeiro sabor do chá, com maior concentração de substâncias.”
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No MAVO, a extração do chá acontece dentro um aparelho despressurizado até a mesma pressão de um ambiente com 450.000m de altitude, com o uso de água extremamente mole (água com pouca concentração de minerais dissolvidos) a 4°C. Com isso, nasce um chá totalmente novo, com um aroma intenso, comparável ao vinho e de outras bebidas alcoólicas, e um sabor rico que persiste no palato.
No entanto, existe um limite ao tentar reproduzir o corpo frutado de um vinho apenas com o chá. Foi então que Nakamura, que se aprimorou como chefe de cozinha há mais de 30 anos, começou a combinar outros ingredientes com chá e com o uso da técnica de extração em baixa pressão, criou vários chás que se adequam ao fine dining.
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Nesse dia, foi servido um blend especial com base de chá preto japonês acrescido de figo, abacaxi e estrela-de-anis. Atualmente, o MAVO bloom oferece, como tea pairing, sete variedades de chás, harmonizando-os com pratos de acordo com os ingredientes e formas de preparo, além da harmonização com a sobremesa. Em paralelo, no segundo andar da cozinha, foi criado a Tea pairing lab, que pesquisa as mais variadas combinações de ingredientes.
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O tea pairing surgiu com o forte desejo de oferecer bebidas que harmonizam com os pratos, mesmo para aqueles que não podem consumir bebida alcóolica. Hoje, a grande parcela dos clientes do restaurante saboreia a alta gastronomia de pratos preparados na chapa ou de outras formas, harmonizada com o chá.
“Não quero criar uma bebida não alcoólica como um substituta do vinho”, explica o Nishimura sobre a sua iniciativa. Ele parte do princípio de que o chá combina perfeitamente com fine dining, e está tentando criar uma ‘terceira bebida’ que não seja alcoólica, nem alcoólica. Em outras palavras, o chá japonês possui um grande potencial nesse sentido.
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4. O chá japonês no futuro
A história do chá japonês é muito antiga, mas ela continua a evoluir a cada dia. As pesquisas sobre a forma de preparo, extração e de torrefação estão ocorrendo incessantemente, e um novo sabor, que ainda não foi saboreado por ninguém, está prestes a surgir. Uma bebida que possui possibilidades ainda não descobertas: o chá japonês pode ser essa bebida.