Por: Roberto Rodrigues
Temos um respeito e uma gratidão muito grandes pela contribuição dos japoneses para a Agricultura brasileira. Entre as várias contribuições, há três mais importantes. A primeira delas foi no começo do século 20, quando houve uma maciça imigração japonesa para o Brasil. Com a abolição da escravidão, no final do século 19, havia escassez de mão-de-obra para a Agricultura. O governo apostou, então, na imigração, o que resultou em duas correntes muito fortes, entre o final do século 19 e início do 20: a de italianos, que se deslocaram para as fazendas de café, e a de japoneses, que inicialmente se dedicaram a inúmeras atividades rurais e depois acabaram se concentrando nos arredores de grandes cidades, criando o que hoje chamamos de cinturões verdes.
Sem os japoneses, a mesa dos brasileiros certamente seria mais pobre, pois eles introduziram o cultivo de diversos produtos agrícolas que não conhecíamos no Brasil, casos do pepino e da berinjela. Além disso, esses imigrantes criaram um modelo de abastecimento que permitiu a melhoria da qualidade de vida do povo brasileiro nas cidades, uma vez que a produção em torno das grandes cidades facilitava o abastecimento dos centros de consumo.
Nessa época, os japoneses também trouxeram para o Brasil o conceito de cooperativismo – a segunda grande contribuição para o Brasil, - que tomou contato com um sistema que permite a pequenos produtores ganhar escala e criar mecanismos de organização e comercialização de sua produção. Pelas mãos dos imigrantes japoneses, surgiram no país duas extraordinárias cooperativas, a Cooperativa Agrícola de Cotia e a Sul Brasil, que modelaram o futuro movimento cooperativista brasileiro. Mais tarde, ambas desapareceram por problemas de gestão, mas foram, sem dúvida, a base do cooperativismo brasileiro.
A terceira contribuição ganharia contornos a partir da segunda metade do século 20, mais precisamente na década de 1970, período em que havia uma demanda muito grande do Japão por grãos – particularmente por grãos proteicos, como a soja. Tal necessidade deu origem a um acordo entre os governos japonês e brasileiro para desenvolver a produção de grãos no Centro-Oeste do Brasil, com o Programa de Desenvolvimento do Cerrado, o Prodecer.
Naquele tempo, a área do Cerrado brasileiro era pouco explorada e cobiçada. Havia até um ditado recorrente entre produtores de São Paulo e Paraná: “Cerrado nem dado e nem herdado”. Eles, enfim, não queriam saber de terra ruim. De fato, o Cerrado era uma terra ruim, mas o Prodecer deu excelentes frutos. Com recursos japoneses e uma ativa participação de descendentes de japoneses, o programa permitiu a organização de várias cooperativas na região. Em paralelo, pesquisas realizadas pelo Instituto Agronômico de Campinas e pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – Embrapa, viabilizaram o Cerrado como área propícia para a Agricultura.
O sucesso do Prodecer foi absoluto. A produção de soja, milho e algodão explodiu no Cerrado, que se tornou o principal polo agropecuário do país. Uma vez mais, os japoneses tiveram um papel central na transformação da Agricultura brasileira. Costumo dizer que o Cerrado é o Maracanã onde será jogada a final da Copa do Mundo da Alimentação. Os japoneses ajudaram a dar o pontapé inicial dessa partida ainda na década de 1970 e, para destacar apenas um nome, citaria o do engenheiro agrônomo Shiro Miyasaka, que atuou por anos a fio como pesquisador no Instituto Agronômico de Campinas e foi um dos pioneiros na pesquisa sobre a cultura da soja no Brasil.
Parceiros de longa data, japoneses e brasileiros agora estão trabalhando em conjunto além de suas fronteiras. O desafio é viabilizar o corredor agrícola de Nacala, em Moçambique. O projeto foi desenvolvido pela GV Projetos em parceria com o GVagro e conta com capital japonês e tecnologia brasileira. É o que eu chamo de mais um capítulo da ligação Brasil – Japão. Acredito que podemos dar um grande salto em projetos conjuntos em outros países, pois Brasil e Japão têm vocação para a Agricultura e o Japão precisa de alimentos cada vez mais qualificados para a sua população.
Novos impulsos
O Brasil é um grande exportador de matérias-primas e gostaria muito de adicionar valor à sua produção e exportar produtos de maior valor agregado. Já o Japão é um país que precisa de alimentos processados de alta qualidade, com rastreabilidade e certificação. Há, portanto, espaço para o desenvolvimento de vários negócios que interessariam aos dois países na área da indústria de alimentos.
O potencial também é grande na agroenergia, com o etanol, o biodiesel, a bioeletricidade. Há pouco, durante reunião do Wise Man Group, em Tóquio, assistimos a várias demonstrações de estudos avançadíssimos que empresas japonesas estão desenvolvendo, tendo em vista a questão energética – seja na área solar, na de hidrogênio ou na eólica. São tecnologias facilmente aproveitáveis no Brasil. Então, de um lado temos o que comprar dos japoneses – a tecnologia, a inovação; do outro, temos o que vender a eles, alimentos processados e agroenergia. Trata-se de uma das muitas janelas extraordinárias e possíveis nas relações entre Brasil e Japão no futuro.
ROBERTO RODRIGUES é coordenador do Centro de Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas e presidente da Academia Nacional da Agricultura, atua também como embaixador especial da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) e ocupa um dos assentos do chamado Wise Men Group (WMG). Criado em meados da década passada, o WMG é composto por cinco notáveis do Brasil e outros cinco do Japão. Sua missão é apresentar e debater propostas de estímulo ao intercâmbio econômico entre os dois países.